O terror.

Começar por onde, em que ponto? E se me engano…? E se aquilo com que preencher o espaço em branco for mau? Pior: e se for medíocre? Todo este potencial manchado. A infâmia…!

Pelo menos é o que entendo dos infinitos relatos sobre o medo da página em branco. Não o sei descrever melhor porque nunca o senti.

Mas ponham de lado as foices e os archotes, que não me venho vangloriar. A minha dor não é maior do que a vossa mas é bem menos divulgada:

Mais do que me inspirar medo de a macular com erros e imperfeições, a página em branco tem, para mim, o tentador encanto do Potencial.

Em pequena, preenchia os espaços livres no interior de livros com gatafunhos que ensaiavam futuras obras-primas. Em adulta, perco-me em páginas pautadas e lisas, aglomeradas com lombada ou argolas, maleáveis ou revestidas em armadura de cartão. A verdade é que são mais os cadernos comprados especificamente para a história X ou Y, do que as histórias realmente terminadas. Olha para mim!, gritam eles, É na minha superfície que vais concretizar as imagens que tens dentro de ti, onde vais contar todas as histórias. Sou eu o Escolhido.

E a minha tragédia é dar ouvidos ao canto destas sereias de papel. Atiro-me ao mar com o espírito temerário que só o Entusiasmo traz e entrego-me aos inícios com todo o fogo da criação – apenas para os abandorar a meio. Porque os inícios são fáceis. Deixam-nos no arrebatamento ilusório da Obra Começada e, quando esmorecemos porque as coisas começam a dar trabalho, a solução é fácil: começamos outra coisa e o ciclo repete-se.

É uma droga, caros leitores, de antídoto simples mas não menos penoso.

Terror ou fascínio, a solução é a mesma para ambos: lançar caneta ao papel e não parar. Porque o real medo que nos é comum, parece-me, é o de nos confrontarmos com um resultado mal-amanhado ou mediano. De termos nas mãos um Mau ou um Suficiente.

Esteja a página vazia ou preenchida a meio, o verdadeiro truque é não ficar só a olhar para ela, como se fosse uma qualquer entidade sagrada.

Não se pode aperfeiçoar o que não existe. Que venham os clichés, as incoerências, os disparates. Esses combatem-se depois, de caneta vermelha em riste (como esta rima que fiz agora). E a Criação é um músculo como qualquer outro.

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