Visitar cidades não significa que as vejamos realmente.

À excepção dos nove dias que passei em Paris e da greve geral dos transportes que me obrigou a fazer a cidade toda a pé (há várias vidas atrás), vou-me embora sempre com a sensação de só ter visto o salão dos convidados. Por muito que espreite pelos corredores, à procura das passagens secretas onde os locais se reúnem para fugirem às visitas, eles topam-nos sempre. E de todas as cidades que já visitei, nenhuma me fez sentir tanto de que me estava a esconder qualquer coisa como Atenas.

Quase completamente, erm, decorada a graffiti, a cidade é um emaranhado de estilos arquitectónicos (e não estou a incluir o legado histórico). O hotel ficava ao lado do que depois percebemos ser um cinema porno, o que explicou bastante o charme marginal da rua onde estávamos. Um pouco mais acima, a praça Omonia e a rua Athinas lembram uma Almirante Reis há 20 anos atrás – com a vantagem do enorme mercado, onde se encontram desde especiarias e ervas a granel, a talhantes que acenam aos transeuntes com pernas de frango na mão.

Entrar na Acrópole tem algo de A Rosa Púrpura do Cairo. Já a vimos tantas vezes e durante tanto tempo sem nunca lá ter ido, que tudo à volta é surreal e extremamente natural ao mesmo tempo. Isto, até começarem a chegar as hordas de peregrinatores infernalium, que transformam o local imponente na capital do photobomb (porque, como qualquer turista que se preze, as hordas são sempre os outros, nunca nós).

Há demasiado ruído e demasiados selfie sticks para se assimilar o espaço com a atenção que merecia. Mas depois vemos velhotes que sobem aquilo tudo com uma prótese onde antes tinham uma perna, e não temos como não sentir o quão solene é aquela visita.

Para a calma que gostariam de sentir na Acrópole, dirijam-se à Ágora Antiga e entrem na Estoa de Átalo, com vista para o templo de Hefesto. Podem ver bustos imaginados de deuses e heróis, ou de comuns mortais endinheirados, de quem não sabemos o nome mas que ficaram com as linhas do rosto eternamente demarcadas.

E, por favor, dêem um saltinho à Igreja dos Santos Apóstolos onde, para além das imagens bizantinas, podem ver o senhor sentado à entrada, que protege calmamente o templo dos peregrinatores infernalium.

Como peso-pesado europeu que é a nível histórico e cultural, torna-se complicado ver realmente a Atenas contemporânea para além de tudo o que é direccionado ao turismo e dos lindos pedregulhos que foram ficando. Mas talvez a minha falha seja tentar separá-los.

Muito antes de visitar o país, dei por mim no meio de uma gigantesca comunidade estudantil grega no meu semestre de Erasmus em Inglaterra. Durante os jantares e brunches na cantina da residência, o discurso girava sempre à volta da ideia de que tudo o que existe no mundo – todo o conhecimento, vocabulário, qualquer coisa de que se lembrem – teve origem na Grécia. Acreditem que o pai da noiva no filme My Big Fat Greek Wedding não é uma caricatura assim tão exagerada. Mas é um comportamento a que estava bastante habituada, não fosse ele um espelho dos portugueses e dos Descobrimentos. Outrora fomos enormes, agora somos pequeninos – não há nada mais natural do que pregar as velhas glórias da nossa nação aos senhores estrangeiros.

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